Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Enfarpeladasocumveu

Enfarpeladasocumveu

Saúde Mental - Depressão: estigma e incapacidade

Dr. Álvaro Carvalho (médico de Saúde Mental e Psiquiátrica residente. Foi director do Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental, do Hospital São Francisco Xavier e esteve ligado por diversas vezes à reestruturação da Saúde Mental, tendo sido o director do Serviço de Psiquiatria e de Saúde Mental da DGS, de 1996 a 2000.

Hoje, para além de docente na Faculdade de Ciências Médicas, integra a Coordenação Nacional para a Saúde Mental. E esteve, desde o início, ligado aos Centros de Responsabilidade Integrada.
Os problemas de psiquiatria são hoje dos mais graves das sociedades. Entre as dez maiores causas de incapacidade no mundo, cinco são de origem psiquiátrica e, no entanto, ainda há um grande estigma em relação à doença mental…
Dr. Álvaro Carvalho (psiquiatra): Sim, sim. Há uma incapacidade sobretudo em relação à actividade produtiva. E era preciso sensibilizar os poderes públicos e políticos para este problema.
A depressão, por exemplo, neste estudo que a OMS fez em 1996, estava em quarto lugar com a perspectiva de subir a primeiro ou segundo, em poucos anos.
O que tem sido feito entre nós é muito limitado e inconsequente. Se os poderes públicos assumirem esta importância da Saúde Mental, as resistências que possam existir, a integração a nível profissional ou até o estigma que a população em geral ainda mantém, podem alterar-se.
As pessoas ainda dizem que sofrem “dos nervos” e vão ao neurologista em vez de ir ao psiquiatra, porque ir ao psiquiatra pressupõe a existência de um problema psíquico.
Felizmente, a prevalência das psicoses esquizofrénicas anda à volta de 1% relativamente à população em geral. São situações muito dramáticas que deixam as pessoas muito impressionadas porque ouvem vozes, sentem-se perseguidas, têm alterações de comportamento, ou até comportamentos agressivos, o que assusta as pessoas.
Mas mesmo a depressão, que não assusta tanto, apesar de poder ser muito incapacitante, não leva a pessoa ao médico. E essa é uma das razões porque está subdiagnosticada…
Dr. Álvaro Carvalho (psiquiatra): Existem vários tipos de depressão. Felizmente que a maioria das situações depressivas são “menores” e não há o risco de algo dramático, como nas graves, que é o suicídio. Mas entre nós ainda é relativamente frequente as pessoas tomarem complexos vitamínicos ou simplesmente tranquilizantes.
Um dos sintomas mais comuns nas depressões “menores” é a dificuldade de adormecer.
E muitas vezes anda-se ali meses, ou mesmo anos, com situações que se podem agravar, e a tomar medicamentos que podem dar dependência e que não vão resolver o verdadeiro problema.
Dr. Ricardo Gusmão (especialista em psiquiatria), fez a sua tese de doutoramento sobre “a depressão”. Segundo a sua tese, muitos médicos de família não têm a capacidade de diagnosticar alguns casos de depressão e essa será uma das razões pela qual estará subestimada…
Dr. Ricardo Gusmão: Sim, mas o problema não é intrínseco à qualidade dos médicos de família. É algo que diz respeito aos profissionais de saúde, à actividade docente, e tem a ver com o facto da saúde mental não estar integrada nas outras áreas do ensino médico.
Tento comunicar a importância de diagnosticar e tratar a depressão. A depressão é uma doença sistémica que tem impacto ao nível de todo o corpo, do que as pessoas pensam, sentem e ao nível das emoções.
Tem um impacto ao nível do tubo digestivo, das dores de cabeça, dos ossos, dos músculos. E muitas vezes as pessoas não identificam como sendo um problema psicológico, sendo estes os componentes aparentes das síndromes depressivas.
O ensino médico é muito concentrado nos sistemas: ossos, fígado, estômago, coração, cérebro, nervos periféricos... Há por vezes a dificuldade de compreender o indivíduo como um todo e esquecemo-nos que o cérebro é o núcleo central, que controla tudo o que está da pele para dentro mas também da pele para fora.
E há uma grande dificuldade em perceber que o sofrimento mental faz parte da vida e é normal, e depois distingui-lo daquilo que é patologia.
 
in http://servicodesaude.blogs.sapo.pt/32502.html